Três criminosos de alta periculosidade que estiveram na lista dos mais procurados do país do Ministério da Justiça foram mortos num intervalo de pouco mais de um mês.
Na mira das autoridades, eles eram apontados como chefes de ações do “novo cangaço” —assaltos a agências bancárias na mesma cidade envolvendo dezenas de criminosos com fuzis, veículos blindados, drones e explosivos por acionamento remoto.
Segundo fontes ligadas às investigações desses grupos, eles também atuavam em ações conhecidas como “domínio de cidades”, crime tipicamente brasileiro apontado por especialistas como um avanço em relação ao “novo cangaço” —por serem mais planejados e perigosos.
A primeira morte ocorreu no dia 31 de maio. Raimundo Aparecido dos Santos, conhecido como Dica, seguia em um carro na zona rural de Luziânia (GO), município no entorno do Distrito Federal, quando foi abordado por policiais.
Segundo a Polícia Militar, o criminoso foi baleado após atirar contra os agentes e fugir a pé para uma área de mata. Nenhum dos agentes se feriu. Com Dica foram encontradas armas e uma carteira de identidade falsa.
Apontado como suspeito de fornecer armas aos 26 integrantes de uma quadrilha mortos em um sítio em Varginha (MG) enquanto se preparavam para assaltar bancos, na ação policial mais letal do país contra o “novo cangaço”, Dica também era investigado por suspeita de envolvimento com o mega-assalto de Guarapuava (PR), em abril deste ano.
Em meio a essa última ação, os criminosos mataram um policial militar com um tiro na cabeça durante ataque ao batalhão da cidade. No mês passado, um homem suspeito de participar do mega-assalto foi preso em Guarujá, litoral paulista.
“Dica era o responsável por arregimentar criminosos, conseguir armamento, preparar veículos e de fazer o levantamento do potencial financeiro das cidades invadidas. Monitorava as ações criminosas e direcionava o volume financeiro para áreas de mata após os roubos”, explica Maurício Herbert Rodrigues, major da Polícia Militar do Distrito Federal.
O criminoso também é suspeito de participar, em junho de 2016, do assalto à Prosegur, em Ribeirão Preto (SP). Duas pessoas morreram no roubo, entre elas, um policial rodoviário federal. A quadrilha levou cerca de R$ 51 milhões e, na fuga, ateou fogo em veículos.
Milionário e escondido em Brasília
Dica foi monitorado por ao menos três meses antes de morrer, apontam fontes na Polícia Militar do Distrito Federal e de Goiás. Segundo os agentes, ele era dono de uma fortuna oriunda dos crimes e morava em uma mansão num condomínio de luxo.
Apurações preliminares apontam que ele pretendia realizar outro ataque aos moldes do “novo cangaço” ou “domínio de cidades”. De acordo com os agentes que monitoravam a sua rotina, Dica já recrutava criminosos, providenciava armas de grosso calibre e alugava veículos blindados que seriam usados na ação.
Ele já teria inclusive alugado um imóvel onde a quadrilha iria se reunir. O nome do município onde isso ocorreria, porém, não foi revelado pelos policiais para não prejudicar as investigações.
Cocheba estava com fuzil, pistola e explosivo
Gewides Moreira dos Santos, o Cocheba, foi morto em 23 de junho em uma ação policial semelhante à que terminou com a morte de Dica. Ele se deslocava de carro na zona rural de Peixe (TO), a 284 km de Palmas, quando foi abordado por agentes em uma ação conjunta entre as polícias Civil e Militar do Tocantins. Segundo os envolvidos, ele atirou na direção dos agentes e acabou morrendo no confronto. Nenhum policial se feriu.
Os agentes apreenderam um fuzil, uma pistola e explosivo. Segundo os policiais, ele usava um rancho nas imediações para guardar armamento usado nos roubos.
Cocheba foi preso com outros três suspeitos na Bahia em 2013, acusado de participar de ao menos cinco assaltos no sertão baiano.
“Já naquela época, ele era um criminoso que usava um aparato bélico muito superior ao da polícia”, disse o major Maurício Herbert Rodrigues, da PM do Distrito Federal.
Em 2017 e 2018, foi capturado outras duas vezes em Gurupi (TO) pelos crimes de roubo, posse ilegal de arma e uso de documento falso. Segundo investigações da polícia, ele é suspeito de cometer mega-assaltos nos estados de Goiás, Bahia, Pará e Tocantins.
Gilberto Kummer Júnior, capitão da Polícia Militar que atuou por quatro anos na coordenação-geral de combate ao crime organizado do Ministério da Justiça e Segurança Pública, diz que criminosos como Cocheba voltam para as ruas mesmo sendo reincidentes em roubos pelo que ele entende ser uma falha na legislação brasileira.
Um criminoso desses é julgado como o ladrão que rouba a bolsa de uma senhora na rua. Mas esse tipo de bandido usa explosivo com acionamento remoto e armas de guerra, como a .50, com alto potencial de destruição. Essas ações de ‘novo cangaço’ e ‘domínio de cidades’ precisam ser comparadas ao terrorismo, porque elas subjugam as forças policiais.”, conta Gilberto Kummer Júnior, capitão da PM.
Morto em ‘acerto de contas’, diz polícia
Na madrugada de 1º de julho, Edvaldo Silva Santos, o Edvaldo da Manga, foi morto a tiros enquanto caminhava com a esposa e a filha em uma rua de Cabrobó (PE). Segundo a polícia, o crime foi cometido por dois suspeitos que estavam em uma moto em um possível acerto de contas.
Ele é suspeito de participar da tentativa de assalto a um avião pagador no aeroporto de Salgueiro, no interior pernambucano, em setembro de 2018. Também já foi investigado por suspeita de participação em mega-assaltos em estados de Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste.
Capacidade para financiar crimes violentos
Dica, Cocheba e Edvaldo da Manga já eram monitorados pelo Ministério de Justiça e Segurança Pública, responsável pela elaboração da lista dos criminosos mais procurados do país.
Fontes ligadas a investigações desses grupos apontam que o investimento para mega-assaltos é de até R$ 2 milhões.
“É preciso contar com explosivistas, veículos blindados, fuzis e até casas alugadas para os membros da quadrilha. É uma ação que tem logística com recursos de sobra.” explica Maurício Herbert Rodrigues, major da Polícia Militar do Distrito Federal
Rodrigues reforça a importância de uma atuação integrada entre as polícias estaduais, com troca de informações e uma ação planejada, além de simulações, para aprimorar o monitoramento de lideranças. “É preciso ter um plano de defesa que inclui interceptação de vias e estratégia para minimizar o risco de baixas entre os policiais.”
Para o major, com a morte dos três chefes “a atividade criminosa dessas quadrilhas cai drasticamente”. “Essas lideranças formavam uma espécie de rede criminosa, com conexões com pessoas que praticam esses crimes em todo o país”, afirmou. O UOL procurou, mas não localizou a defesa dos citados na reportagem.
UOL