O sumiço da carne de boi do prato de boa parte dos brasileiros é dado como certo diante do alto preço do produto. Agora, a inflação também arrebata o frango e o suíno, na esteira do reajuste do diesel, que afeta toda a cadeia logística, e da explosão do preço dos grãos, item fundamental na produção de ração que alimenta esses animais. As altas do milho, da soja e do trigo estão ligadas diretamente à guerra entre Rússia e Ucrânia, protagonistas na exportação desses insumos.
O Índice de Custo de Produção do Frango (ICP-Frango) e do porco (ICP-Suíno), calculado pela Central de Inteligência de Aves e Suínos (Cias), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), ilustra o momento. No caso das aves, o indicador bateu 439,2 em fevereiro, maior patamar em 12 meses. O ICP-Suíno não ficou atrás: 437,07, também o maior desde março de 2021.
“É uma alta histórica de custos de produção. Não esperávamos isso no primeiro semestre. Milho e soja representam uma fatia significativa dos custos dos frangos e dos suínos na plataforma. Os preços devem aumentar, senão muitos produtores já começam a não ter rentabilidade”, afirma Luis Rua, diretor de mercados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).
De acordo com a Embrapa, o item nutrição representa 76,69% dos custos do frango e 82,89% daqueles do porco. Quando se analisa a cotação do milho na Bolsa de Valores, fica clara a dificuldade dos frigoríficos no momento. Conforme o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da USP, a saca de 60 kg do produto custa, em março deste ano, R$ 100,72 à vista, segunda maior taxa dos últimos 24 meses. Na soja, o cenário é ainda mais crítico: o mesmo volume custa R$ 204,51, maior preço desde abril de 2020.
“Desde 2020, o setor agrícola vem sofrendo na produção de carne de frango e ovos. Os grãos são fundamentais para produção de ração, composta de 70% de milho. O setor também foi prejudicado pelo aumento do combustível, embalagens e papelão”, diz Gustavo Ribeiro, da Associação dos Avicultores de Minas Gerais (Avimig).
Diante de tal cenário, o setor não descarta a possibilidade de redução da produção e corte de empregos. “A gente não sabe se chegará a situações extremas, e a gente torce e trabalha para que não, mas, a continuar essa situação, é fundamental esse repasse (ao consumidor)”, avalia Luis Rua, da ABPA.
Já quem revende o produto nos açougues ainda não sentiu os reflexos da guerra no Leste Europeu no setor. É o que garante o presidente da Associação de Frigoríficos de Minas Gerais, Espírito Santo e Distrito Federal (Afrig), Silvio Silveira. “O consumidor tem comprado frango e porco num preço bom ainda. Mas o brasileiro gosta mais de carne de boi, e, mesmo com essa alta, dá um jeito de comprar”, garante o também proprietário da Casa de Carnes Serradão.
Exportações para a UE crescem
Com as sanções comerciais contra a Rússia, e a Ucrânia sem possibilidade de produzir por causa do conflito em seu território, a avicultura e o setor de suínos do Brasil estudam estreitar laços com países até então atendidos pelos envolvidos na guerra. Kiev, por exemplo, era a grande abastecedora da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes com peito de frango.
“Metade das exportações dela está concentrada em três regiões. Na Arábia Saudita, eram 100 mil toneladas que a Ucrânia vinha ‘tirando’ do Brasil nesses últimos anos. É um mercado de que a Ucrânia sai completamente agora. O Brasil deve ser chamado a contribuir mais. No caso da União Europeia, os importadores já estão buscando aqui”, explica Luis Rua, diretor de mercados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).
Rua também acredita que o Brasil deve aumentar em breve sua participação no Canadá. Nesta semana, a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, se reuniu com empresas do país na tentativa de estreitar relações com Ottawa. “É um mercado fundamental, porque leva produtos premium por um preço muito bom. O Brasil deve entrar com cortes como a costela e a barriga (de porco), produtos que faltam no mercado canadense”, diz Rua.
Na avaliação de Gustavo Ribeiro, da Associação dos Avicultores de Minas (Avimig), o Brasil não deve perder o protagonismo nas exportações. Ainda assim, diz não haver alternativa que não seja corte de gastos. “A ideia é reduzir, com cautela, os alojamentos, sem comprometer o mercado interno e procurando novos mercados externos”, ressalta.