O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o Estado pode determinar aos cidadãos que se submetem, obrigatoriamente, à vacinação contra a covid-19, prevista na Lei 13.979 / 2020. De acordo com a decisão, o Estado pode impor aos cidadãos que recusem a vacinação como medidas restritivas previsões em lei (multa, impedimento de frequentar determinados lugares, fazer matrícula em escola), mas não pode fazer a imunização à força. Também ficou definido que os estados, o Distrito Federal e os municípios têm autonomia para realizar campanhas locais de vacinação.
O entendimento foi firmado no julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6586 e 6587, que tratam unicamente de vacinação contra a covid-19, e do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1267879, em que se discute o direito à recusa à imunização por convicções filosóficas ou religiosas.
Direito coletivo
Em seu voto, apresentado na sessão de hoje, o ministro Luís Roberto Barroso, relator do ARE 1267879, destacou que, embora a Constituição Federal proteja o direito de cada cidadão de manter suas convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais, os direitos da sociedade devem prevalecer sobre os direitos individuais. Com isso, o Estado pode, em situações excepcionais, proteger as pessoas, mesmo contra sua vontade – como, por exemplo, ao obrigar o uso de cinto de segurança.
Para Barroso, não são legítimas as escolhas individuais que atentem contra os direitos de terceiros. Ele lembrou que a vacinação em massa é responsável pela erradicação de uma série de doenças, mas, para isso, é necessário imunizar uma parcela da população, a fim de atingir uma chamada imunidade de rebanho.
O ministro também se manifesta pela constitucionalidade da vacinação obrigatória, desde que o imunizante esteja devidamente registrado por órgão de vigilância sanitária, incluído no Plano Nacional de Imunização (PNI), tenha sua obrigatoriedade de requerer em lei ou tenha sua aplicação fornecida pela autoridade competente .
Meios indiretos
O ministro Nunes Marques, que ficou parcialmente vencido, também considera possível a instituição da obrigatoriedade da vacina contra a covid-19 pela União ou pelos estados, desde que o Ministério da Saúde seja previamente ouvido, e apenas como última medida de combate à disseminação da doença, após campanha de vacinação voluntária e a imposição de medidas menos gravosas. Ele considera que essa obrigatoriedade pode ser implementada apenas por meios indiretos, como a imposição de multa ou outras restrições legais.
Em relação à recusa em vacinar os filhos, o ministro afirmou que a liberdade de família filosófica e religiosa dos pais não pode ser imposta às crianças, pois o poder da família não existe como direito ilimitado para dirigir o direito dos filhos, mas sim para proteger as crianças contra riscos decorrentes da vulnerabilidade em que se encontram durante a infância e a adolescência.
Obrigatoriedade dupla
O ministro Alexandre de Moraes ressaltou que a compulsoriedade da realização de vacinação, de forma a garantir a proteção à saúde coletiva, é uma obrigação dupla: o Estado tem o dever de fornecer a vacina, e o indivíduo tem se vacinar. Para o ministro Edson Fachin, nenhuma autoridade ou poder público pode se esquivar de adotar medidas para permitir a vacinação de toda a população e assegurar o direito constitucional à saúde e uma vida digna. “A imunidade coletiva é um bem público coletivo”, afirmou.
Complexo de direitos
Segundo a ministra Rosa Weber, obrigatório às liberdades individuais decorrentes da aplicação das medidas legais aos que recusarem a vacina são imposições do próprio complexo constitucional de direitos, que exige medidas efetivas para a proteção à saúde e à vida. “Diante de uma grave e real ameaça à vida do povo, não há outro caminho a ser trilhado, à luz da Constituição, senão aquele que localidade o emprego dos meios necessários, adequados e proporcionais para a preservação da vida humana”, argumentou.
Solidariedade
Ao acompanhamento os relatores, a ministra Cármen Lúcia defendeu a prevalência do princípio constitucional da solidariedade, pois o direito à saúde coletiva se sobrepõe aos direitos individuais. “A Constituição não garante liberdades às pessoas para que elas sejam soberanamente egoístas”, disse.
O ministro Gilmar Mendes observou que, enquanto a recusa de um adulto um determinado tratamento terapêutico representa o exercício de sua liberdade individual, ainda que isso implique sua morte, o mesmo princípio não se aplica à vacinação, pois, neste caso, a prioridade é a imunização comunitária. Também para o ministro Marco Aurélio, como está em jogo a saúde pública, um direito de todos, a obrigatoriedade da vacinação é constitucional. “Vacinar-se é um ato solidário, considerado os concidadãos em geral”, disse.
Ameaças
Em voto acompanhando integralmente os relatores, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, ressaltou o empenho e o esforço dos ministros para que o julgamento fosse concluído ainda hoje, de forma a transmitir à sociedade segurança jurídica ao tema, frente a uma pandemia que já provocou a morte de associados de brasileiros. Fux observou que a hesitação quanto à vacinação é considerada uma das 10 maiores avaliações à saúde global, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Teses
A tese de repercussão geral fixada no ARE 1267879 foi a seguinte: “É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, tenha sido incluído no plano nacional de imunizações; ou tenha sua aplicação obrigatória decretada em lei; ou seja objeto de determinação da União, dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios com base em consenso médico-científico. Em casos tais, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar ”.
Nas ADIs, foi fixada a seguinte tese:
(I) A vacinação obrigatória não significa vacinação forçada, facultada a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, como quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previsão em lei, ou dela decorrida, e se tenham obtido como base evidências científicas e análises estratégicas relevantes, venham acompanhado de informação ampla sobre a eficácia, segurança e contra-indicações dos imunizantes, respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas; atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade; e sejam como vacinas distribuídas universal e gratuitamente.
(II) Tais medidas, com como limitações expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios, respeitadas como importantes esferas de competência.